No final, não estava jogando nenhum tipo de jogo. Água morta caiuOs dois primeiros episódios são apresentados como um thriller policial com todos os ingredientes necessários para adivinhar o vilão: uma pequena comunidade, um crime terrível, um elenco de suspeitos, pistas emergentes…

Na segunda metade do drama, não houve necessidade de suposições. As armadilhas do mistério haviam desaparecido, deixando para trás um drama cru e emocional que contava as histórias mais simples e tristes – mas com um propósito urgente ao ser contado.

O personagem de David Tennant, Tom, matou sua família. Por que? Porque ele sentia que eles eram seus para matar, que seu controle sobre eles valia mais do que suas vidas. Ele se sentiu ameaçado e sentiu-se no direito. E em todos os aspectos mais importantes, ele não sentiu absolutamente nada.

Tendo estado nas memórias da personagem Jess de Cush Jumbo no episódio dois e nas de Steve de Matthew McNulty no episódio três, o final nos deu acesso às de Tom. Vimos suas repetidas mentiras e suas tentativas arrogantes de ganhar favores e controlar a percepção que os outros tinham dele (repetindo “Eu era um bom marido. Eu era um bom pai” tantas vezes que ele deve ter acreditado). Vimos sua descoberta de que Kate estava prestes a deixá-lo, seus preparativos inexpressivos e suas ações na noite do incêndio. Felizmente, o episódio desviou-se dos assassinatos reais das meninas, escolhendo caracteristicamente a moderação e o bom gosto em vez do sensacionalismo.

O final ficou do lado do gosto e da responsabilidade nos minutos finais. Onde outro drama poderia ter apresentado um clímax barulhento e de alto risco – Tom faz um refém, digamos, ou termina o trabalho que começou e acaba com sua vida – Água morta caiu permitiu-lhe toda a atenção e respeito que merecia, ou seja, nenhum. Após a segunda prisão de Tom, ele foi esquecido. O drama terminou com uma cena comovente e discreta que apontava para um futuro mais saudável para Jess, Steve e os meninos, e nos deixou com a imagem de Kate rindo.

Num mundo onde as manchetes parecem fazer de tudo para dar desculpas aos autores de assassinatos domésticos, Água morta caiua homenagem final à sua vítima não é pouca coisa. Nem está comprometido com a ideia de que as ações de Tom não foram provocadas ou culpadas por ninguém além dele mesmo. Não havia motivo para os assassinatos além de: Tom, ele era o motivo. Ele não foi traumatizado por uma infância abusiva, nem levado a extremos irracionais, embora tentasse defender os dois casos, ele era – como Jess lhe disse – banal.

Se houve um herói no final, foi Jess. Ela enfrentou Tom, dando a Carol a decisão de fazer o mesmo, e fez Steve perceber que precisava se abrir sobre seus sentimentos, para seu próprio bem e o de seus filhos. Repreendendo Tom, sendo maternal com Steve e insistindo gentilmente que Lewis, de seis anos, precisava falar sobre sua dor, Jess era parte santa, parte super-herói – seu superpoder era a capacidade de sempre ter o instinto emocional correto. Brilhando com uma nobreza inata (ou isso é apenas a rotina de limpeza de Cush Jumbo?), Jess poderia ter sido perfeita demais para engolir se a escritora Daisy Coulam não tivesse lhe causado algumas complicações no início de sua infidelidade.

Os personagens em torno de Jess estavam longe de ser perfeitos, mas foram lançados com perfeição. Steve, perdido na raiva e canalizando sua angústia apenas por meio de explosões, foi vividamente interpretado por Matthew McNulty. Maureen Beattie como Carol, vivendo com sua culpa por ter mentido para proteger Tom desde o início, foi totalmente convincente.

David Tennant era, como Anna Madeley de Kate, confiável e excelente. Se há uma crítica a essa dupla de quatro partes, é que não a vimos o suficiente. A desvantagem do formato de suspense usado para contar esta história é que as exigências do mistério nos roubaram qualquer acesso real à vida interior de Kate.

Até mesmo papéis coadjuvantes como Sandra, de Lisa McGrillis, foram bem aproveitados ao fazê-la repetir uma perspectiva frequentemente ouvida em casos de homicídio doméstico. “Se Kate estava com medo, por que ela simplesmente não o deixou? Ela tinha dinheiro, tinha um emprego…” Respostas não instruídas como as de Sandra são a razão para dramatizar algo tão doloroso como esta história. Ficção atraente, bem feita e empática como Água morta caiu existe para aguçar nossa consciência da vida real e nos ajudar a responder a essa pergunta para que ela não precise ser expressada novamente.

Deadwater Fell está disponível para transmissão agora na Netflix.