“Oh, querido, você é tão talentoso”, exclama Bart (Cleavon Little), o astuto protagonista de Selas Flamejantes. O primeiro xerife negro na cidade de Rock Ridge, no Velho Oeste, Bart teve que escapar dos cidadãos gentis, devotos e muito racistas, apontando uma arma para si mesmo e fingindo que era seu próprio captor e refém. O estratagema funciona, levando ao autoelogio de Bart para a câmera… ele também reconhece que “eles são tão burros”.

As amplas travessuras de Bart combinam não apenas com a estupidez dos habitantes da cidade, mas também com o tom do clássico de Mel Brooks. Escrito por Brooks e uma série de co-escritores (incluindo Richard Pryor não creditado), Selas Flamejantes combina Looney Tunes humor com comentários sociais mordazes e um amor genuíno pelo faroeste de Hollywood, tornando o filme ao mesmo tempo eterno e imediato.

Little, Brooks e todos os escritores contribuíram para o sucesso de Selas Flamejantes. Mas manter tudo unido foi um gênio cômico, que se destacou em brincar de calma em meio ao caos. Estamos falando de Gene Wilder como ninguém menos que Waco Kid.

A mão mais calma do Ocidente

Gene Wilder entra Selas Flamejantes em uma cena apropriadamente maluca. Depois que Bart quebra novamente a quarta parede para contar ao público sobre o “bêbado na cela dois”, vemos Waco pendurado de cabeça para baixo. O rosto angelical de Wilder está com a barba por fazer e seus cabelos encaracolados estão pendurados.

“Estamos acordados?” pergunta Bart, plenamente consciente da visão ridícula. “Somos negros?” responde o garoto. Quando Bart responde afirmativamente, Kid continua. “Estamos acordados. Mas estamos muito confusos.”

A troca vai ao encontro do absurdo do filme e de seus aspectos caricaturais e satíricos. Também mostra as habilidades cômicas de Wilder, que é o ingrediente secreto que faz Selas Flamejantes um clássico duradouro.

Wilder fala suas falas com um sotaque despreocupado, uma gentileza que reconhece a estranheza de sua situação, mas não é muito ampla ou boba. Wilder não compete com Little pela tela. Em vez disso, ele aceita as piadas à medida que elas chegam até ele, deixando espaço para Little falar abertamente com Bart.

Pouco antes da batalha de Bart com o bestial Mongo (Alex Karras), uma das seções mais malucas do filme, Kid faz a barba e conversa com o xerife. A cena serve para estabelecer a conexão entre os dois. Bart ri de sua frustração com a intolerância do povo de Rock Ridge e incentiva Kid a voltar ao caminho enquanto ele está secando. Mas antes que qualquer coisa fique muito sincera, lembramos que este é um filme de Mel Brooks, o que significa que não devemos passar mais de dois minutos sem fazer uma piada (isso não é uma reclamação, para ser claro). Então a conversa tem uma piada no meio, em que Bart entrega um baseado para o Kid.

“Escute, Bart”, ele diz, sua voz em falsete agudo antes de voltar ao tom normal. Apesar da voz engraçada, Wilder nunca tira do rosto o olhar de preocupação do Kid por Bart. Ele interpreta a cena de maneira direta e deixa a piada valer por si mesma.

Quando Bart se reúne com seus amigos, Kid fica para trás enquanto eles comemoram, pelo menos até que um grupo de bandidos caia sobre eles. Mesmo assim, Wilder mantém a cara séria ao desarmar os vilões, deixando todos comemorarem a piada sobre sua velocidade absurda.

Em retrospecto, é fascinante lembrar que Gene Wilder não foi a primeira escolha de Mel Brooks para Jim, o alcoólatra anteriormente conhecido como Waco Kid. Inicialmente, Brooks ofereceu o papel a John Wayne, que rejeitou o roteiro alegando ser azul (embora afirmasse ter adorado lê-lo). Brooks acabou escalando o vencedor do Oscar Gig Young como o garoto. Mas o alcoolismo de Young o fez desmaiar no primeiro dia de filmagem, e Brooks o demitiu.

Em apuros, Brooks recorreu a Wilder, com quem havia trabalhado Os produtores. Brooks tinha Wilder em mente para Selas Flamejantes vilão Hedley Lamarr, que acabou indo para Harvey Korman. Mas é difícil ver alguém além de Wilder no papel, exatamente por causa de sua presença descontraída na tela.

Atirando com a mão direita

Nada demonstra as habilidades de Wilder como uma conversa entre Waco Kid e Bart, no início de sua amizade. Durante um jogo de xadrez, Kid revela sua identidade como um pistoleiro lendário, apenas para ser recebido com ceticismo por parte de Bart.

“Se você é o garoto, então me mostre uma coisa”, desafia o xerife.

“Bem, talvez alguns anos atrás eu pudesse te mostrar uma coisa, mas hoje…”, responde o Garoto. Para demonstrar seu ponto de vista, ele levanta a mão direita, que permanece imóvel.

“Firme como uma rocha”, diz o solidário Bart, ignorando a maneira desesperada com que Kid encara seu braço imóvel.

“Sim”, responde o Garoto, erguendo a mão esquerda que estremece com tremores delirantes. “Mas eu atiro com esta mão!” Wilder percebe que a piada é independente e não precisa fazer nada para vendê-la. Se ele quebrasse a quarta parede ou enfatizasse a piada, como a maioria dos atores de Brooks faz, isso desviaria a atenção da parte hilariante.

Ele continua exatamente com a mesma seriedade que se encontraria nos faroestes que tanto inspiraram Brooks. The Kid fala sobre seu reinado infeliz como a arma mais rápida do mundo. “Bem, aconteceu que todo punk da pradaria que pensava que poderia atirar com uma arma iria até a cidade para experimentar o Waco Kid”, lamenta ele. “Devo ter matado mais homens do que Cecil B. DeMille.”

Wilder não enfatiza a rachadura de DeMille, nem exagera no pathos de seu personagem. Em vez disso, ele conta as falas exatamente como um verdadeiro herói ocidental. Ele só permite um leve exagero ao descrever o momento em que uma criança de seis anos o desafiou. “Bem, eu simplesmente joguei minhas armas no chão e fui embora”, diz ele com uma voz calma, antes de aumentar para um leve grito para dizer: “O pequeno bastardo atirou em minha bunda!”

Aquela cena de Selas Flamejantes mostra por que Wilder teve uma presença cômica tão poderosa, não apenas em outros filmes de Brooks, como Jovem Frankensteinmas também em suas colaborações Pryor Mexa Louco e Não veja nenhum mal, não ouça nenhum mal, e especialmente em Willy Wonka e a Fábrica de Chocolate.

O talento de Wilder não está apenas em fazer piadas fantásticas, mas também em abrir espaço para que outros sejam tão talentosos, por mais caótico que seja o ambiente.